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O que ainda temos a aprender sobre concursos de arquitetura?

Centro Georges Pompidou, em Paris (França). Foto: Divulgação

Concurso público de arquitetura é, ainda, modalidade licitatória pouco explorada no Brasil. Enquanto isso, a realização de obras públicas perde em qualidade, transparência e concorrência democrática, o que se reflete diretamente na população, uma vez que se trata da construção dos equipamentos urbanos e da própria cidade.

Essa é uma das grandes pautas do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). O CAU/RS conversou com os arquitetos e urbanistas Rafael Passos, presidente do IAB RS, e Tiago Holzmann da Silva, representante do IAB RS no IAB Nacional, que, através de exemplos internacionais, elencam as vantagens do concurso como modalidade preferencial para contratações de obras públicas.

França: um caso de sucesso

A França é um dos principais destinos turísticos do mundo. Dados da Organização Mundial do Turismo indicam que, em 2012, cerca de 83 milhões de turistas estrangeiros passaram pelo país. Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Catedral de Notre-Dame e Palácio de Versalhes contribuem para fazer do país europeu um dos mais visados do continente. É a história viva, distribuída por museus, pontos turísticos e centros culturais. No entanto, prédios de uso cotidiano também encantam, por apresentarem a mesma qualidade das edificações históricas e monumentais.

A qualificação dos equipamentos urbanos na França ocorreu em várias etapas e em diferentes épocas, mas há um importante marco recente: o desenvolvimento de um plano nacional de arquitetura, coordenado por François Mitterrand, que presidiu o país de 1981 a 1995. Nesse período, o governo passou a promover concursos internacionais de arquitetura para grandes equipamentos. A iniciativa transformou-se em um caso de sucesso, marco da história dos concursos públicos de arquitetura.

“Grande Arco de La Défense, Centro Georges Pompidou, Biblioteca Nacional da França, Ópera da Bastilha. Dezenas de grandes obras foram realizadas por concurso de arquitetura. Nessa época, escritórios do mundo inteiro puderam apresentar projetos muito legais para a capital, Paris, e outras cidades francesas”, conta Tiago Holzmann da Silva, representante do IAB RS no IAB Nacional.

Ao mesmo tempo que Mitterrand promoveu grandes concursos internacionais, como o Museu do Louvre, símbolo de Paris e da França, organizou a contratação de outros projetos não tão espetaculares, mas importantes para a comunidade – escola, posto de saúde, praça, equipamentos públicos do convívio das pessoas no dia a dia da cidade. O governo priorizou a qualidade como critério de contratação de projetos, que é exatamente o que o concurso faz.

Ópera da Bastilha, em Paris. Foto: Divulgação

Qualidade como critério

No concurso, define-se primeiro o orçamento para projeto e execução da obra. A melhor ideia, dentro desse valor, será a escolhida. Assim, o dado de custo é eliminado da competição, pois será o mesmo para todas as propostas concorrentes.

“O concurso é bom porque a melhor ideia não depende de currículo ou experiência. Por exemplo, o Caetano Veloso é um cara genial, mas nem todas as músicas dele são geniais. Na arquitetura, funciona da mesma maneira. Pode ser que a minha ideia de solução para o problema não seja, naquele momento, a melhor, por mais genial que eu seja”, explica Holzmann. Nesse sentido, o concurso é democrático, pois permite que todos enviem suas contribuições. Pelo mesmo valor, o resultado será sempre o melhor projeto.

Esse modelo foi estruturado na França e disseminado em toda a comunidade europeia, onde atualmente é sistema obrigatório. Todos promovem concursos: desde uma pequena cidade no interior, com seu catálogo de profissionais local, até os grandes concursos internacionais, que seguem acontecendo, como o recente Forum des Halles, em Paris.

“É um modelo que não nasceu de um dia para o outro e também não veio do nada. Alguém começou a fazer”, relembra. “E não há dúvidas de que é melhor contratar pela qualidade do que pelo preço. É só andar pelas ruas das nossas cidades e observar: obra pública, em geral, é feia, atrasa e acaba extrapolando o orçamento previsto”, complementa.

Forum des Halles, em Paris. Foto: Divulgação

Realidade brasileira

O concurso é uma licitação, concorrência e contratação pública. A grande diferença é o critério de seleção: a qualidade. “O que a gente percebe é um medo do agente público de perder o poder de escolha, que nos outros processos, por meios tortos, eles têm. Esse tipo de situação nós também temos que vencer”, revela. “Por outro lado, muitos profissionais que trabalham com licitação não conhecem, na prática, a modalidade concurso. Por insegurança, pode haver resistência, sendo que é um processo muito mais transparente e organizado, com uma comissão julgadora qualificada e independente do órgão proponente”.

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) promove concursos de acordo com a atual legislação de licitações e contratos da Administração Pública – Lei 8.666/93. O IAB, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e outras entidades discutem a criação de uma lei específica para projetos de arquitetura e engenharia. “Vários estudos acadêmicos na área da Construção Civil, Engenharia, Gestão de Projetos e Arquitetura e Urbanismo indicam que aumentar investimento e prazo na etapa de projeto faz com que a obra cumpra seus prazos, atenda ao orçamento e seja bem construída. No Brasil, o projeto é empecilho, porque tem que ser feito rápido e barato. Depois, por não ter um projeto de qualidade, a obra fica mais cara, não termina ou é enjambrada”, lamenta Holzmann.

Concurso de arquitetura: entenda como funciona

Por ser uma licitação, o concurso autoriza o órgão a contratar o vencedor, que entrega o estudo preliminar e desenvolve as etapas seguintes direto com o cliente, no caso, a instituição pública ou privada, que pode aperfeiçoar o que foi entregue inicialmente. “A própria comissão julgadora pode estabelecer em ata algumas alterações necessárias para melhorar o projeto”, comenta Rafael Passos, presidente do IAB RS.

Toda instituição pode organizar concursos públicos, mas muitas recorrem ao IAB para fazê-los. A Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) realizou por conta própria dois concursos de arquitetura, o que mostra que é possível fazer com que as instituições tomem para si essa responsabilidade. “Na Europa, concurso é uma modalidade de domínio dos gestores e técnicos. Nosso grande objetivo a médio e longo prazo é não precisar mais organizá-los, porque todo mundo vai saber fazer”, releva Holzmann.

“Temos o objetivo de promover cursos de capacitação para começar a ampliar, de fato, o entendimento sobre esse assunto no Brasil”, argumenta Passos, que destaca a quantidade de prédios públicos construídos por concurso público na capital.

Concursos de arquitetura em Porto Alegre

Os prédios dos três poderes do Estado são exemplo: Palácio Piratini, sede do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, projeto do arquiteto francês Maurice Gras; Palácio Farroupilha, sede da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, projeto do arquiteto paulista Gregório Zolko; e Palácio da Justiça, projeto de Luís Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet. O Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, projeto de Demétrio Ribeiro, também foi construído por concurso público e recentemente tombado pelo patrimônio histórico municipal.

Palácio Piratini. Foto: Guilherme Santos/PMPA
Palácio Farroupilha. Foto: Ricardo Barata
Palácio da Justiça. Foto: Marcelo Ribeiro/JC
Colégio Júlio de Castilhos. Foto: Divulgação
MAIS SOBRE: IAB RS

Uma resposta

  1. bom artigo.
    em um primeiro momento, o que “assusta” um interessado à entrar num concurso, é a idéia de investir num trabalho, pensando que já poderia existir um preferido.
    mas é uma questão de cultura.

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