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Arquitetura e segurança: os desafios de projetar a privação de liberdade

Ondas de violência em algumas capitais e cidades brasileiras aumentam ainda mais o debate sobre segurança. E além da segurança pública – das ruas – e privada – das edificações, comércio, moradia e propriedade – há aquela que envolve a privação de liberdade dos próprios infratores, que têm se rebelado em diversos presídios do país.

O último levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público mostrou um sistema penitenciário caótico. O Presídio Central de Porto Alegre é considerado um dos piores do Brasil, com superlotação e estrutura precária. Segundo dados da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a taxa de ocupação dos presídios está 32% acima da capacidade no Rio Grande do Sul.

E o que a arquitetura tem a ver com isso? Tudo. Quando falamos em Arquitetura e Urbanismo, estamos próximos de todos os temas que cercam cidades, lugares e pessoas. E aprofundar o assunto envolve reconhecer que a arquitetura pode atuar sobre todas as energias sutis, contribuindo para a cura e ressocialização de infratores de todas as idades. Isso pode ser comprovado com a análise de índices de reincidência criminosa.

Dados da Projetar.org, instituição promotora de concursos para estudantes de Arquitetura e Urbanismo e responsável pelo concurso de projeto de arquitetura “Presídio Inclusivo”, indicam que o percentual de reincidência no Brasil é de aproximados 70%, ou seja, a cada 10 prisioneiros, 7 voltam a cometer crimes. Exemplos de países em que o índice de reincidência chega a 20%, como a Noruega, mostram outras formas de resolver a questão. A grande diferença é o modelo carcerário que, ao invés de focar na punição, investe na reabilitação do ser humano na sociedade.

O arquiteto e urbanista Charles Pizzato atua na Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (FASE) desde 2006 e ocupa o cargo de Chefe do Núcleo de Engenharia e Arquitetura da instituição. Em 2016, Pizzato lançou o livro “Arquitetura socioeducativa – O espaço ressocializando pessoas e curando a sociedade”, onde trata de suas experiências na Fundação e também de aspectos que colaboram para o debate.

“O paradigma do sistema socioeducativo – frente ao sistema prisional – é como a arquitetura vai lidar com a privação de um direito de todos: a liberdade. O grande impacto da arquitetura e desafio do arquiteto e urbanista é tornar esses espaços mais humanizados”, afirma Pizzato.

“Falar em recreação, lazer e contato com a natureza, para muitos, soa como uma recompensa ao ato praticado. Nosso sistema judiciário, impulsionado pelo apelo de segmentos da sociedade, ainda trabalha no paradigma de crime e castigo”, comenta o arquiteto e urbanista da FASE.

Estética da segurança

“Quando comecei a trabalhar com arquitetura socioeducativa, uma das falas que mais que impressionou foi a de que o tempo entre a reforma de um espaço de uso de adolescentes e a reforma seguinte seria de apenas cinco anos”. (Charles Pizzato)

O projeto de espaços que envolvem a privação de liberdade passa por um complexo e importante Programa de Necessidades e as relações humanas com a edificação já contam com o agravante de que a maioria dos usuários não desejava estar ali. Pizzato coloca que a privação de liberdade é pré-condição para conflitos. “Os riscos de motins e rebeliões são uma realidade que deve ser considerada nos projetos técnicos, assim como fugas e invasões”, ressalta.

Uma das consequências do sistema prisional é a relação destrutiva com o espaço, o repúdio pela edificação. Ao mesmo tempo, quanto mais intenso é o investimento em segurança, mais comprometida fica a estética da arquitetura curativa, que afasta do ambiente natural e desumaniza.

Partinobre Freitas Brito, psicólogo da Prefeitura de Sapucaia do Sul, trabalha com jovens do regime aberto e comenta que são corriqueiras as referências ao aprisionamento. “Lembro de um menino que se sentia incomodado com as grades da janela da sala de atendimento. Passamos a conversar no banco da praça. Certo dia, outro menino comentou sobre uma canção sertaneja que falava sobre um passarinho preso na gaiola”.

“A interação saudável com o espaço passa pelo relacionamento com as pessoas. A medida socioeducativa de prestação de serviços para a comunidade é um exemplo. É uma liberdade assistida que permite ao jovem fazer as mesmas coisas que as demais pessoas, desde que cumpridas suas tarefas e responsabilidades”, enfatizou Brito.

“Contribuir com a comunidade, tratar e ser tratado com dignidade, expressar ideias e sentimentos no Mural de Recados e nos grupos de futebol e música faz com que os jovens se apropriem e respeitem seus espaços de convivência. Nosso maior desafio é ajuda-los a projetar um futuro a partir da experiência do aprisionamento”, finalizou o psicólogo.

Projetar espaços para a privação de liberdade ao mesmo tempo em que contribuir para a construção de um futuro melhor do que a realidade do aprisionamento. Como defendem os arquitetos e urbanistas André Huyer, Carlos Eduardo Mesquita Pedone, Célia Ferraz de Souza e Luiz Antônio Machado Veríssimo, do Conselho Editorial do CAU/RS, “a arquitetura por si só talvez não tenha a capacidade de curar pessoas. No entanto, certamente as características que os arquitetos e urbanistas imprimem aos espaços muito contribuem para o sucesso de algumas atividades ali desenvolvidas”.

Uma resposta

  1. Concordo plenamente com os colegas arquitetos do Conselho. Acredito, ainda, que a manutenção do ambiente oferecido deva ser executada pelo encarcerado que, através dessas atividades, poderá readquirir (mesmo que minimamente) a autoestima, pelo resultado do seu trabalho.

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