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O caminho entre a cidade atual e a cidade desejada

Foto: Marcelo Bertani/ALRS

Se você pudesse escolher, como seria o lugar em que você vive? O que você mudaria para sua vida funcionar melhor? Diariamente, em deslocamos para trabalho, estudo ou lazer, interage-se de alguma forma com a cidade. Conforto, segurança, bem-estar e sensação de pertencimento a uma comunidade estão muito vinculados à relação que se estabelece com o ambiente. Mas, o que fazer para mudar, de fato, algo na cidade? Até que ponto aquilo que se deseja pode realmente ser feito?

Para o arquiteto e urbanista Antonio Zago, é preciso reconhecer o longo caminho que há entre a cidade atual e a cidade desejada. O resultado deste percurso, como aponta Zago, é a cidade possível, que surge de estruturas já existentes, em um espaço já habitado por pessoas com necessidades específicas. Ao interferir numa cidade já existente, deve-se considerar as transformações que naturalmente serão conduzidas pela população local, as demandas que surgem e precisam do arquiteto e urbanista para serem conduzidas, e a predisposição de cada região da cidade para determinadas atividades, o que Antonio Zago chama de vocação: da cidade e de cada região.

Plano Diretor

Volta-se, então, à pergunta inicial: que espaço existe para participar de mudanças de impacto coletivo? Cada cidade tem suas estruturas, regramentos e transformações guiados por um plano diretor. O objetivo de um plano diretor é fixar diretrizes para o desenvolvimento urbano de um município, válidas para qualquer indivíduo, empresa, e mesmo para o setor público.

Assim como qualquer outro plano, a primeira pergunta que devemos fazer é “o que queremos?”. Quando se trata de um espaço de grandes proporções como uma cidade, porém, que envolve os desejos e as necessidades de uma quantidade significativa de pessoas, estes interesses devem ser negociados e conciliados às especificidades técnicas de cada lugar, para que a cidade atinja seu melhor potencial de funcionamento. Levando em conta, também, a diversidade de interesses presentes na esfera urbana, pode-se entender a importância da participação das pessoas no debate sobre a cidade.

O plano diretor de uma cidade é revisado a cada dez anos, para estar sempre atualizado em relação às mudanças que ocorrem ao longo do tempo – das quais surgem novas necessidades econômicas, sociais, culturais, etc. “Hoje, em relação a dez anos atrás, as pessoas estão diminuindo o número de automóveis devido às opções de transporte, às tendências das novas gerações, ao trabalho em casa graças às tecnologias. Precisamos pensar nisso agora para estarmos atualizados daqui a dez anos”, exemplifica o arquiteto e urbanista Antonio Zago.

Essa revisão periódica se justifica também para que não se perca de vista o planejamento de soluções de acordo com a realidade de cada lugar. Frequentemente, se propõe a implantação de modelos de transporte ou urbanização que funcionam em outros países, sem considerar as particularidades da região.

Memorial do Rio Grande do Sul durante a Feira do Livro (Porto Alegre/RS). Foto: CAU/RS

Pilares para pensar uma cidade melhor

O arquiteto e urbanista Antonio Zago, que atua junto às discussões sobre plano diretor, destaca três pilares no planejamento de diretrizes para cidades melhores, com aquilo que ele classifica como “urbanidade”: um conceito relacionado à qualidade de vida no meio urbano. Zago aponta ainda alguns potenciais que ele observa em Porto Alegre e na região metropolitana, que devem ser considerados ao pensar o plano diretor.

Viver a cidade: “construir uma cidade socialmente inclusiva, ecologicamente equilibrada, com qualidade de vida e mobilidade. O resultado é a urbanidade: viver a cidade na plenitude, conforme as necessidades de cada um. O plano diretor deve retratar uma recuperação do espaço urbano, para que os espaços coletivos, parques, largos e praças sintam-se adotados pela população. Porto Alegre tem grande potencial nesse sentido, mas alguns entendimentos devem mudar: praças, parques, ruas não são da cidade; são nossos. É necessário formar projetos de parceria público-privada, ensinar cidadania na escola, criar circuitos temáticos para aproveitar estruturas que já existem, investir na limpeza e na melhoria do transporte.”

Desenvolver a cidade: “tornar a cidade economicamente próspera, inovadora e empreendedora, com um plano diretor que possa servir de plataforma para atrair o empreendedorismo. Porto Alegre e Grande Porto Alegre têm índices intelectuais fantásticos. O número per capita de intelectuais se equipara ao de países desenvolvidos, há uma indústria da inteligência. Quantas dessas pessoas são absorvidas pelo mercado? A grande maioria é levada a outros centros urbanos, e muitas para fora do país. A indústria da inteligência precisa existir em Porto Alegre, aproveitando essa intelectualidade em um espírito de empreendedorismo, com clusters e coworkings. Isso gera royalties, é uma coisa que fica constantemente se alimentando. A matriz para tudo isso nós já temos, mas precisamos identificar as vocações. Precisamos criar ações específicas de desenvolvimento de masterplan, situando essas áreas e integrando através de ações que incentivem essas atividades. É necessário que se crie um ambiente de estímulo ao empreendedorismo.”

Gerir a cidade: “Porto Alegre precisa superar a ideia de fases marcadas por governo. Políticas de estado devem ser maiores que as políticas de governo, senão as políticas travam de quatro em quatro anos, sempre que muda a gestão. Para gerir Porto Alegre, é preciso um entendimento de políticas de estado, planejamento estratégico, visão de longo prazo. Para isso, deve ser aplicada tecnologia na gestão, gerenciar mecanismos de horizontalização do trabalho, e criar ambientes pró-desenvolvimento.”

Casa de Cultura Mario Quintana (Porto Alegre/RS). Foto: CAU/RS

O papel dos arquitetos e urbanistas

Neste contexto, Antonio Zago ressalta qual o papel que o arquiteto e urbanista deve desempenhar. Como técnico preparado para identificar as necessidades da população e da cidade em relação à urbanização, o profissional de arquitetura e urbanismo, trabalhando ou não na gestão pública, pode e deve se envolver nas discussões sobre plano diretor, conforme Zago. Para isso, ele destaca a importância de se entender o plano diretor numa perspectiva mais ampla, além dos aspectos reguladores, mas como forma de suprir as demandas da cidade. “O arquiteto e urbanista é o técnico preparado para transformar as necessidades em vocações e ações específicas, em ideias, em bons projetos, para estimular um planejamento urbano que satisfaça as necessidades da população e gere um desenho urbano produtor de urbanidade”, afirma Zago.

A respeito dos desafios enfrentados para envolver os arquitetos e urbanistas de forma eficiente no desenvolvimento de um plano diretor abrangente, Zago destaca a baixa carga-horária de disciplinas de urbanismo na formação acadêmica dos profissionais. “Na própria faculdade temos nos cursos de Arquitetura e Urbanismo somente quatro ou cinco disciplinas de urbanismo, e o resto é arquitetura, é mais técnico. Se o estudante não gosta ou não pesquisa o tema, é pouca carga-horária, vai se apagando da memória”, aponta. Para ele, é essencial que a formação do arquiteto e urbanista seja feita integrando várias disciplinas, para que se construa uma compreensão geral da cidade e da sociedade onde se desenvolverá a atuação profissional. “Nossa vida na cidade é interdisciplinar”, afirma Zago.

Pensando nessa interdisciplinaridade, o despertar de novas ideias e concepções sobre o espaço que habitamos fica, naturalmente, muito mais estimulado quanto maior for o envolvimento das pessoas com a cidade, pois é a partir deste envolvimento que se reconhece o que poderia ser diferente. “Temos que destravar nossa capacidade de imaginar uma cidade melhor. Uma grande ideia não é uma única ideia, é o somatório de ideias”, conclui o arquiteto e urbanista Antonio Zago.

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