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Brasil: igualdade como oportunidade para arquitetos e urbanistas

Foto: Eloise Acuna

A moradia é um direito básico do ser humano. Ter casa é pré-requisito para o desenvolvimento pessoal, a autoestima, a segurança, a saúde emocional e física. Porque “a gente é o lugar que a gente vive”, como coloca a arquiteta e urbanista Karla Moroso. No entanto, a realidade desigual do Brasil não permite que esse seja um direito universal. Morar, infelizmente, ainda é um privilégio. Morar em condições arquitetonicamente e urbanisticamente adequadas é, então, um privilégio ainda maior e mais raro. Conforme dados de 2014 do Departamento da Indústria da Construção da Fiesp (Deconcic), o déficit habitacional no Brasil é de 6,2 milhões de famílias. O indicador inclui não só as famílias sem moradia, mas também os casos de moradia precária, com problemas na estrutura física, densidade excessiva, coabitação familiar forçada ou moradores de baixa renda com dificuldades de pagar o aluguel. Os critérios consideram problemas de insalubridade e segurança para os moradores desse tipo de residência. O déficit, portanto, não diz respeito apenas à quantidade de habitações disponíveis, mas à qualidade da moradia.

Empreender para transformar realidades

No sentido de tentar transformar essa realidade, a preocupação crescente com a habitação de interesse social vem incluindo cada vez mais arquitetos e urbanistas, trabalhando a partir de órgãos públicos ou escritórios privados. A arquiteta e urbanista Karla Moroso é uma das profissionais que trabalha na luta pelo direito à moradia.

Além de pesquisar os conflitos fundiários no Morro Santa Teresa, em Porto Alegre, numa perspectiva política, social e de direito à cidade, Karla atua profissionalmente com regularização fundiária. Em 2015, foi a vencedora do Prêmio Arquiteto e Urbanista do Ano do Sindicato dos Arquitetos do Estado do Rio Gande do Sul (SAERGS) pela regularização fundiária do Morro Santa Teresa. “Desde a formação, direcionei minha atuação para o interesse social, por me questionar o lugar do arquiteto e urbanista e também o meu dentro da universidade. Busquei as ONGs, entendendo que a arquitetura precisa dialogar com outras disciplinas, principalmente quando o foco do trabalho é a questão urbana e a questão do interesse social”, afirma Karla Moroso.

Em palestra durante o Seminário de Empreendedorismo e Novas Tecnologias em Arquitetura e Urbanismo, realizado em julho em Porto Alegre, Karla Moroso falou sobre seu trabalho, sobre a importância de arquitetos e urbanistas abraçarem a causa da habitação social e destacou o viés da oportunidade profissional que essa área de atuação propicia. “Não se trata de um trabalho voluntário, é um trabalho fundamental. Temos que nos colocar como profissionais, pois o nosso conhecimento é necessário para a transformação dessa realidade”, destaca.

Karla Moroso, arquiteta e urbanista, em palestra no Seminário de Empreendedorismo e Novas Tecnologias. Foto: CAU/RS

Humanizando o contato profissional

Para que o arquiteto e urbanista possa desenvolver um trabalho eficiente e significativo, Karla ressalta que os conhecimentos por ele absorvidos devem ter um caráter interdisciplinar e abrangente, além do aspecto meramente técnico. A habitação, assim, constitui um conceito mais amplo do que a casa, propriamente. Trabalhar com a arquitetura de interesse social, para a profissional, é lidar com questões humanas, afetivas e de memória das famílias que não têm acesso a direitos básicos.  “Sempre devemos pensar a moradia não enquanto uma unidade habitacional, mas inserida num território. Quando vou repensar a estrutura de uma casa para adequá-la a normas técnicas, não estou mudando uma linha num papel em branco, estou movendo 60 anos de história, por exemplo”, observa Karla.

Karla Moroso atentou também em sua fala para a necessidade de se lembrar do urbanismo, e não apenas da arquitetura. A moradia, conforme ela aponta, não se resume a seus limites físicos, mas tem uma esfera de relação com o ambiente onde está inserida – problemática muito levantada na discussão sobre a marginalização urbanística da pobreza. “Se eu não tenho esse olhar interdisciplinar, eu garanto o lote regular, mas não incluo aquela família na cidade. O arquiteto precisa estar atento a essas correlações que vão além do seu objeto de trabalho direto”.

Para ilustrar sua fala, a arquiteta e urbanista relatou sua experiência de trabalho no desenvolvimento de um projeto de regularização fundiária para a Vila São Pedro, em Porto Alegre. Para Karla, o diálogo e a construção do projeto junto à comunidade foram essenciais para quebrar barreiras de relacionamento com os habitantes da área, para mostrá-los a importância do trabalho do arquiteto e urbanista, e para ter resultados compatíveis com os desejos daquela população. “O trabalho que desenvolvemos primeiro foi uma consciência do lugar que eles moravam. O arquiteto não estava ali para passar por cima da história deles. Fizemos uma maquete do lugar que eles viviam, para eles se enxergarem ali e verem o que poderia ser diferente. Existem elementos que só aquela comunidade pode enxergar, que vão além da questão técnica”, relata Karla.

Ela contou que, embora o projeto não tenha saído do papel, houve um processo importante de empoderamento e qualificação técnica da comunidade, que serve de legado para o futuro. “Hoje eles sabem o que querem. Tendo os profissionais técnicos apoiando e instruindo, a comunidade se empodera e se qualifica para poder questionar possíveis imposições do poder público”, conclui.

A lição que Karla Moroso deixou para a plateia lotada do Teatro do Sinduscon/RS diz respeito ao papel do arquiteto e urbanista em muitas esferas da sociedade. Para ela, é o diálogo entre o poder público, a sociedade civil e o mercado, sempre incluindo o profissional de arquitetura e urbanismo, que trará resultados para o problema da desigualdade. “É nosso trabalho e temos que ganhar com isso, mas esse objeto de trabalho, antes de qualquer coisa, é um direito de todos. Ações para materializar direitos passam por políticas públicas. Se materializamos sonhos, por que não materializar direitos?”.

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