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Arquitetura em pauta e a cidade no centro do debate

Encontro em 2016 abordou relações entre economia e cidade. Foto: Arq Futuro / Divulgação

A cidade. Efervescência cotidiana que une cultura e natureza, concreto e ser humano. Espaço que agrega diferentes áreas do conhecimento na convivência diária e na construção de um ambiente melhor para todos. Todas as pessoas e suas práticas profissionais se voltam, de alguma forma, para a cidade. Como, então, potencializar as soluções para nossos meios urbanos a partir de cada setor da sociedade? Qual é o caminho para transformar ideias em iniciativas de maior alcance, priorizando o interesse coletivo?

Uma das maneiras de promover pautas relacionadas à cidade, objeto central do trabalho de arquitetos e urbanistas, é promover a conversa sobre o assunto. Identificar mudanças no comportamento e na relação das pessoas entre si, com o meio urbano e com a natureza, pautando temas que precisam ser desenvolvidos, não é tarefa das mais simples. Em meio à infinidade de eventos que acontecem diariamente e a muitas informações, fica difícil separar tendências passageiras de transformações relevantes e dignas de maior destaque. Além disso, é necessário projetar discussões que integrem diferentes segmentos sociais, para obter maior alcance e favorecer a inovação de ideias e trocas.

Arq Futuro: por um debate aberto e interdisciplinar

O Arq Futuro, uma plataforma de discussão sobre o futuro das cidades, é uma das iniciativas que se engaja na organização de eventos abertos ao público e na produção de materiais acessíveis para envolver toda a sociedade nesta pauta que, de fato, diz respeito a todos. Fundado em 2011, o projeto já realizou 16 encontros em três cidades, que somaram 259 convidados e mais de 20 mil participantes. Arquitetos e urbanistas, economistas, empresários, formadores de opinião e atores políticos se reuniram para debater questões sobre espaço público, habitação, transporte e infraestrutura; educação em arquitetura e urbanismo; engajamento do público em assuntos relacionados à arquitetura e ao desenvolvimento urbano; novas tecnologias para a participação popular, a mobilidade urbana e os edifícios; caminhos para promover a construção do novo e a preservação do patrimônio cultural.

Marisa Moreira Salles, fundadora do Arq Futuro, conta que a iniciativa surgiu da percepção que ela e Tomas Alvim, seu sócio, tiveram sobre os investimentos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Na época, uma série de obras e transformações no cenário urbano era planejada com potencial de interferir diretamente na vida de milhões de habitantes de diversas cidades brasileiras. “A gente tinha muitas perguntas: quem estava tomando essas decisões? Quem eram os arquitetos por trás dessas decisões? Por que a população não estava sendo informada de coisas importantes? Qual seria o espaço de discussão dessas pautas?”, relata.

O objetivo do Arq Futuro, assim, definiu-se no sentido de unir conhecimentos aprofundados em diferentes nichos, fazendo eles se relacionarem para trabalhar por um bem comum. Além disso, Marisa e Tomas destacam a importância do envolvimento do público em geral nesses debates, para que se desenvolva a cidadania. “Temos uma compreensão de que o cidadão que compreende o seu entorno é um cidadão melhor, mais apto a contribuir e ajudar novas ideias a prosperarem”, afirma Marisa. Para ela, ao estimular as pessoas a sair de suas áreas específicas de atuação rumo a um ambiente mais integrado, o ganho coletivo é muito maior. “No momento que você junta economia e urbanismo, por exemplo, você atrai empresários para discutir assuntos que normalmente eles não estariam discutindo”.

Tomas Alvim e Marisa Moreira Salles, fundadores do Arq Futuro. Foto: André Ligeiro

Como identificar o que deve ser pautado

Para promover ocasiões de diálogo sobre a cidade, com a infinidade de pautas possíveis que podem ser abordadas, é importante buscar, no dia-a-dia, um conhecimento diverso e interdisciplinar, que propicie uma curadoria com maior propriedade. Encontrar especialistas de várias frentes que possam debater o mesmo assunto com coesão exige um conhecimento geral de suas especialidades. “Sempre procuramos nos cercar dos arquitetos, urbanistas, especialistas em águas, economistas, advogados, do especialista em saúde. Temos uma legislação muito complexa relacionada ao meio urbano. E se você ler um livro do Drauzio Varella perceberá que pode compreender a cidade da perspectiva da saúde pública. Em que momento essas áreas ficaram tão setorizadas? Acho que nosso progresso se dará a partir dessa interlocução”, conclui a fundadora do Arq Futuro.

Dinâmicas complementares fazem parte do dia a dia da equipe do Arq Futuro que busca manter-se em contato com os assuntos diversos. “Estabelecemos parcerias com universidades, fomentando trabalhos de pesquisa acadêmica. Também temos aqui uma área que apoia projetos de transformação territorial, regeneração e desenvolvimento socioeconômico. São projetos feitos para a sociedade, para a comunidade, não são políticas públicas que vêm de cima para baixo. Temos atuado em territórios muito complexos, o que nos dá a dimensão dos reais problemas do território brasileiro”, afirma Tomas Alvim, cofundador da iniciativa.

Para Marisa, estas aproximações ajudam a equipe a voltar o olhar para o que é realmente relevante para a sociedade, como aconteceu com o Arq Futuro ao planejar um evento sobre a água logo antes da seca de 2014. “Veio uma seca que ninguém previu, nem os especialistas. Todo mundo achou que tínhamos previsto o futuro. Não temos esse poder, mas tínhamos a preocupação com esse assunto. As coincidências não são tão coincidências assim. As coisas também vão se conectando, e às vezes, se o olhar está voltado para algo, é porque há um desafio, há uma questão num futuro próximo ou distante”, ressalta.

Marisa Moreira Salles sugere que iniciativas como a do Arq Futuro partam da observação cotidiana dos problemas que impactam na vida das pessoas e do acompanhamento de dados e fatos para priorizar as pautas que afetem o maior número de pessoas. “Observe a vocação da sua cidade, as demandas, o que reprime a população, o que dá alegria. Vamos aspirar mudanças no lugar onde estamos, não precisamos mirar em cidades que consideramos ideais. Vamos ficar atentos para as reuniões da cidade, para os desejos das pessoas. É uma questão de pensar o que faz sua vida boa, e transportar isso para o macro”, argumenta.

Relação com a mídia

Além dos eventos, o Arq Futuro também atua produzindo artigos e entrevistas sobre diversas questões relacionadas à cidade, publicados para quem quiser acessar em seu site. Para Marisa e Tomas, fundadores do projeto, esta frente de discussão é tão relevante quanto os eventos presenciais, já que coloca a reflexão sobre o urbanismo no cotidiano das pessoas, despertando seu interesse e ativando um olhar diferente sobre a cidade por onde circulam. É com esse estímulo diário ao envolvimento com problemáticas urbanas que se constrói um interesse maior, fazendo com que o público busque mais informação e participe dos eventos.

A produção e publicação de materiais sobre o assunto também ajuda a pautar a imprensa, para que tais discussões não fiquem restritas a uma iniciativa, mas se espalhem por diversos meios de divulgação.  “Da mesma forma que tem notícias que nos faltam, muitas vezes tentamos provocar a mídia para pautar o que vai estar sendo noticiado. É uma forma de acordar os cidadãos. Sempre vimos a BEI Editora e o Arq Futuro como parceiros e complementares à mídia. No fundo, um pauta o outro”, afirma Marisa Moreira Salles.

Tomas Alvim, cofundador do Arq Futuro, destaca a particularidade do debate sobre a cidade no contexto brasileiro, repleto de desigualdades e contradições, como um ponto a ser considerado no desinteresse que a população tem, muitas vezes, em se envolver nessa discussão. “Tem uma cidade sem saneamento, de um lado, e uma cidade contemporânea, com preocupações com sustentabilidade, de outro. A vida de um gestor público hoje é difícil, porque ele tem uma agenda emergencial, de direitos básicos, e tem também uma cidade que está mudando as suas tendências: uma população que não quer carro, por exemplo. Mas a cidade que se comunica é só a cidade medieval, só a cidade de problemas. Isso transforma a percepção sobre cidade como problema”, afirma. É necessário, para Tomas, que os arquitetos e urbanistas estejam em contato com a imprensa, para atrair o interesse pela cidade, mostrando seu lado positivo e carregado de potenciais. “A cidade é a melhor invenção da humanidade. É onde acontecem as trocas, a geração de ideias, o futuro. Comunicar essa cidade problemática faz com que esse pareça um debate difícil, chato. Queremos colocar jornalistas para debater, para discutir a formação dessa percepção, sobre que cidade estamos comunicando, que cidades estamos lendo. Essa discussão é fundamental porque a comunicação é um fator importante na construção do imaginário”, conclui.

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