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Exclusiva: uma conversa com Jan Gehl

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Foto: Sandra Henningsson / Divulgação

Copenhagen, capital da Dinamarca, é referência em urbanismo. Transporte público, parques movimentados e incentivos para o uso da bicicleta. Nem sempre foi assim. Jan Gehl, ícone do urbanismo, nos anos 60, deu início a um movimento de “cidades para pessoas” em sua terra natal que se propaga e transforma lugares mundo afora.

Em sua passagem por Porto Alegre, para a última conferência do ano do Fronteiras do Pensamento, reforçou a importância de revisar as estratégias dos espaços públicos para encontrar soluções que melhorem a vida da população. Em entrevista exclusiva para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), mostrou suas impressões sobre a capital gaúcha e outros temas relacionados à vida urbana. “Ter um olhar de fora sobre a nossa realidade é sempre importante. É preciso repensar a maneira de pensar a cidade. Temos muito que aprender com Jan Gehl”, comenta Joaquim Haas, presidente em exercício do CAU/RS.

Chegando em Porto Alegre: quais as primeiras impressões?

Tive um dejavú: sensação de já ter vindo aqui antes. Conheço muitas cidades argentinas, Montevidéu e outros munícipios brasileiros, como Brasília. Eu conheço muito bem Bogotá, onde mora minha filha. Estive também no Peru. E eu já vi tudo isso antes. Uma das marcantes lembranças que eu tenho do Brasil é Curitiba. Eu fiquei muito impressionado com a cidade. Não sei como está agora, pois isso já faz 15 anos. Tinha algo de diferente lá em relação a outras cidades no Brasil.

Porto Alegre me parece uma cidade muito verde, assim como Montevidéu. Há muitas árvores nas ruas. Mas é como muitas metrópoles da América do Sul e outras tantas ao redor do mundo: não desenvolveram um bom planejamento e basearam-se nas forças do mercado, onde planejadores foram forçados a fazer grandes construções para alcançar densidade.

Urbanismo e segurança: existe relação?

Estes temas conectam-se diretamente, mas a violência deve ser tratada através de intervenções na sociedade, em questões econômicas. Não há como criar expectativa unicamente sobre construções de casas quando se trata de uma sociedade desigual.

Eu lembro quando li, pela primeira vez, sobre o assunto. Em “Morte e vida de grandes cidades”, logo no capítulo de abertura, Jane Jacobs trata sobre segurança. E então eu pensei comigo: “sobre o que esta mulher está falando?”. Naquele tempo, Estados Unidos em 1961, essa preocupação já existia. A autora mostra o interesse da vizinhança sobre o que está acontecendo com os vizinhos. A ideia é que, se as pessoas se conhecessem e soubessem dos outros, a vizinhança seria muito mais segura, ao contrário ocorre hoje numa vizinhança de solitários.

Jane Jacobs também comenta sobre os centros da cidade e como seria importante ter residentes lá. Isso ajudaria a manter os espaços mais seguros e vivos durante a noite. Uma mistura de funções e atividades durante 24 horas e, então, sempre terão pessoas aqui e ali e o centro não ficará abandonado. Há também algumas outras dicas, como “nunca façam paradas de ônibus no meio de parques” e entre outras possibilidades. Mas a verdade é que há pouco o que possamos fazer, pois o principal depende da sociedade.

Foto: Peter Hove Olesen / Divulgação

Lembranças de Brasília: o legado do modernismo

Eu já estive em Brasília e, como todos sabem, escrevi publicamente sobre o assunto no meu livro: uma cidade que “parece” inteligente, mas planejada de dentro do avião. Porém, quando não estamos do alto, não é essa a impressão. É uma cidade que não convida a caminhar e não dá prazer ao descobri-la. Muitas coisas foram deixadas de lado. É o oposto de cidades antigas. Em Brasília, a qualidade para seus indivíduos – dos carros e dos prédios – tornou-se prioridade ao invés da cidade como um todo.

Qualificação do espaço público

Ao longo dos anos, eu criei uma lista que está no livro Cidade para as Pessoas, no capítulo “Caixa de Ferramentas”. Em Siena, na Itália, existe um lugar lindamente arquitetado faz quase 700 anos atrás. E lá verá que todos os critérios possíveis foram bem elaborados e utilizados. Se você encontrar lugares assim perceberá que as pessoas utilizam. Não conheço nenhum lugar no mundo em que algum espaço bem planejado ficou sem uso. Isto porque as pessoas amam utilizar espaços públicos.

Formação de arquitetos em países desenvolvidos e em desenvolvimento

Sou professor e ensino há 40 anos e sempre tive muito orgulho de algo que chamo Comunidade Internacional dos Arquitetos, que se baseia em um ensino mundial, onde todos os alunos leem os mesmos livros, participam dos mesmos diálogos, são treinados do mesmo modo e falam a mesma língua. Eu sempre me senti maravilhado em poder ir a diferentes lugares, como Estados Unidos ou América do Sul, e ter as mesmas conversas porque lemos os mesmos livros, baseando nossas decisões em métodos qualitativos e não em evidências. Há muito mais em comum do que diferenças.

Vida, Espaço e Edifícios – Nesta ordem

A ordem e a escolha dessa ordem de palavras parte da ideia de que começamos a criar segmentos humanos e as coisas sempre começaram a partir da vida, tudo desenvolvido nesta origem. Naturalmente, mais espaço foi requerido ao longo dos anos. Todas as cidades começaram debaixo, do chão, criando o espaço. Depois, os modernistas criaram os prédios e as ruas. A habilidade de se fazer espaço perdeu-se com os modernistas e a importância do tamanho do homem e da escala humana perdeu-se com construções enormes. Então, eles precisaram de ruas maiores e assim por diante. Temos um mundo completamente diferente do universo do homo sapiens, onde você poderia ser feliz, tirar férias e viver. O capitalismo impera e você não quer criar seus filhos ou envelhecer.

Futuro da arquitetura e dos arquitetos

Em uma conferência na Inglaterra, ouvi que a comunicação na arquitetura é feita unicamente através de fotos. E isso prova que nós, constantemente, nos baseamos nas formas e esquecemos que isso não é arquitetura. Isso é escultura. Arquitetura não é isso. É relação, interação entre a forma e a vida.

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